terça-feira, 22 de outubro de 2013

Os Zombies de George A. Romero – Episódios de um Mundo Apocalíptico II


                          - As Trevas do Mundo (2005-2009)

   
George A. Romero  tinha dito numa longa entrevista, em 1997, que não tencionava regressar ao universo dos zombies porque já nada haveria a fazer ou dizer sobre o tema. Porém, no inicio do novo século, numa convenção em que foi convidado e a sua obra foi objecto duma retrospectiva, surpreendeu-se, durante a conferência de imprensa, com a quantidade de perguntas que lhe foram dirigidas sobre a sua trilogia dos zombies. Afinal, e para grande satisfação do realizador, apesar da quantidade de sequelas e remakes, alguns de qualidade muito inferior, a sua trilogia de terror zombie, permanecia no top das preferências de todos aqueles que estiveram na convenção e também do público em geral. De repente, a palavra zombie, que há muito o realizador relegara para um canto obscuro da sua mente, começou a fazer-se ouvir novamente na sua cabeça.
   
Passaram-se cerca de três anos desde que o surto dos zombies tomou conta dos Estados Unidos (e talvez do mundo, uma hipótese que já havia sido abordada em “A Maldição dos Mostos-Vivos”),  os sobreviventes construíram postos de sobrevivência ao longo do país. Um desses postos existe em  Pittsburgh. Rodeado por rios em dois lados por rios e no terceiro por uma vedação electrificada, guardada por militares,  é governado com mão de ferro, ao estilo feudal, por Paul Kaufman (grande interpretação de Dennis Hopper), homem rico e poderoso que vive, como todos os ricos e poderosos, num edifício luxuoso chamado Fiddler’s Green, enquanto que o resto da população vive no meio da imundície. Lá fora, no que  resta das cidades, os Mortos-Vivos começam a ganhar alguma consciência e a organizar-se tornando-se ainda mais perigosos para os humanos.
   O genérico inicial começa com a frase “Há algum tempo atrás” e depois surgem imagens a preto e branco de humanos transformados enquanto diversas vozes falam e tentam explicar o que se está a passar. O mesmo genérico termina já com imagens a cores e a palavra “Hoje” surge, ameaçadora, no écran, enquanto vemos alguns zombies a deambular nas ruas duma qualquer cidade. É a maneira (brilhante) que Romero encontrou, para quem não viu os seus filmes anteriores, para introduzir o estado em que se encontra a humanidade.
   
Romero, inicialmente, escreveu diversos argumentos intitulados “Twilight of the Dead”, “Dead City” e também “Dead Reckoning” ( curiosamente é o nome da superviatura militar artilhada com que Riley e Cholo combatem os zombies), todos recusados pelos estúdios que queriam algo mais sonante. Depois de muita hesitação,  avanços e recuos, o argumento final (novamente da autoria de George A.Romero), assim como o filme, acabou por se chamar “Land of the Dead – Terra dos Mortos”. Pegando em alguns elementos que fora obrigado a deixar de fora em “O Dia dos Mortos”, Romero desenvolve ao longo do filme a ideia que já tocara ligeiramente no filme anterior, para tornar os zombies ainda mais ameaçadores: a lembrança das suas vidas passadas, como fica patente na cena inicial quando “Big Daddy”, um zombie, antigo funcionário duma bomba de gasolina (a sua primeira acção quando aparece é pegar na mangueira de abastecimento e usá-la como fazia antigamente),inteligente, captura uma arma a um humano em fuga, olha-a incrédulo  para se tentar lembrar do seu funcionamento, agita-a para chamar a atenção a
os seus companheiros e depois ruge ameçadoramente olhando com ódio para “Fiddler’s Green”, antes de, com o seu grupo, se pôr em movimento a caminho do posto dos humanos. O mesmo  “Big Daddy”, noutra cena mais á frente, quando ele e o seu grupo estão numa das margens e do outro lado está ”Fiddler’s Green”, olha para as águas  e percebe que estas não são obstáculo para os seus intentos e o grupo lança-se ao rio e caminham debaixo das águas em direcção á cidade dos ricos e poderosos. É Romero, uma vez mais, no seu melhor, a mostrar um mundo completamente descontrolado e invertido.

   Intenso, em conteúdo e forma, com Zombies mais ameaçadores que nunca (graças a uma caracterização extremamente bem conseguida da responsabilidade de Greg Nicotero, discípulo de Tom Savini, que neste filme faz uma participação aparecendo como o zombie, de katana  na mão, durante o ataque a “Fiddler’s Green”) , “Terra dos Mortos” não se livrou de alguma polémica relacionada com algumas cenas demasiado “gore” (sangrentas), o que não  evitou que o filme fosse classificado para maiores de 18 anos (foi a primeira vez que tal aconteceu na série). Romero, alegadamente,  terá dito que o filme teria duas versões: uma inicial, para qual o realizador teria filmado cenas alternativas e menos explícitas em termos de “gore” e que seria a versão a estrear nos cinemas e seria a primeira a chegar ao circuito de DVD; uma segunda versão teria a designação de “A  Versão do Realizador” (hoje em dia é prática comum) e conteria as cenas mais “gore”.  Ambas as versões estrearam nos respectivos circuitos, embora para europa tenha apenas vindo a versão do realizador, quer para cinema quer para DVD.
   
Critíca e público receberam de braços abertos este novo filme de zombies. As metáforas acerca de realidade da vida americana resultaram  muito bem uma vez mais. O  filme rendeu mais de 40.000.000 de dólares e é o segundo filme mais rentável da série, atrás de “A Maldição dos Mortos-Vivos”. Com uma alma renovada por este inesperado sucesso, Romero sentiu-se confiante para continuar a trabalhar á volta desta série.
   Em agosto de 2006, Romero anuncia que vai fazer novo filme sobre os zombies e que a rodagem iria começar em outubro desse ano. Anuncia também que pela primeira vez o seu filme não será uma sequela (algo que o realizador nunca reconheceu fazer parte da sua série) mas sim uma “maneira de fazer reviver o mito”, nas próprias palavras do realizador. Com um orçamento minúsculo de cerca de 2.000.000 de dólares, Romero obteve um lucro de cerca de 5.000.000 de dólares e o filme até não teve criticas muito posistivas. A certeza com que se fica depois de ver este filme é que George A.Romero ainda é um mestre dentro do género.
   A acção situa-se no inicio da primeira epidemia em que os mortos voltam, inexplicavelmente, á vida e se alimentam dos seres humanos. Nessa altura, um grupo de estudantes universitários, acompanhados pelo seu professor, é apanhado no meio do surto. Ainda sem perceber bem o que se está a passar, resolvem regressar a suas casas e decidem gravar  os incidentes que se lhes deparam pelo caminho num estilo documentário, acabando eles próprios a serem perseguidos por zombies.
   O filme começa com imagens gravadas por uma equipa de repórteres de um canal de televisão que estavam a cobrir uma noticia sobre o assassínio de um imigrante ilegal. A narradora, Debra, explica que aquelas imagens nunca foram visionadas. Percebemos então que estamos no dia um da epidemia.
Apesar de ter algumas semelhanças com os filmes anteriores da série (nomeadamente a utilização de imagens do noticiário que se vê em “A Noite dos Mortos-Vivos”, o primeiro filme da série), Romero pretendeu que este filme fosse uma história passada durante o mesmo período de tempo que o primeiro filme.
   
O título “Diário dos Mortos-Vivos”, diz tudo: trata-se de um diário que se pretende fazer e, para isso, Romero abdicou do seu estilo habitual  de realização (a utilização de múltiplos ângulos de camera, depois montados de acordo com a dinâmica do realizador) e filmou, de camera ao ombro, cenas longas e contínuas  que resultam numa montagem rápida e  movimentada a que depois se juntam os efeitos especiais (a caracterização ficou novamente a cargo de Greg Nicotero). Para acrescentar  mais algum realismo á história, Romero chamou Quentin Tarantino, Wes Craven, Guillermo Del Toro,  Simon Pegg  e Stepnen King, entre outros, que emprestaram as suas vozes para fazerem de locutores de rádio que relatam os acontecimentos á medida que eles vão acontecendo. O próprio George A. Romero faz uma breve aparição como chefe da polícia.  O resultado final acaba por ser mais um documentário, extremamente realista duma situação que fugiu ao controle de tudo e todos, onde o á- vontade de todos os intervenientes (um elenco desconhecido) a maneira como se debatem com as situações, a vontade e o querer documentar todas as situações contrastando com o desejo intímo de cada um de regressar aos seus lares e aos seus familiares, onde não falta sequer o professor desiludido com a vida, mas que se assume e representa para todos a figura paternal que lhes falta nos momentos de perigo, acaba por ser a  a personagem mais forte de todo o grupo, que fica muito melhor do que se fosse um filme normal e, nesse aspecto, resulta na perfeição. Uma vez mais, Romero termina o filme com uma nota pessimista.
   
 
Ao contrário do final de “O Dia dos Mortos”, onde o final era algo optimista, “O Diário” termina com   aquela que será talvez a imagem mais forte e terrível alguma vez apresentada pelo realizador: A cena final, segundo Debra, é feita com as últimas imagens que Jason tirou da net, antes de morrer e nelas vê-se  um grupo de caçadores (labregos, na expressão da própria Debra) a praticar tiro ao alvo em pessoas que morreram e reaparecem como mortos-vivos e na última imagem vê-se uma morta-viva, pendurada numa árvore pelo cabelo, os caçadores disparam atingindo a mulher. Por cima da cena ouve-se a voz de Debra que pergunta “Será que merecemos a salvação?” e logo após, já sobre um écran escuro (que se pode interpretar como o futuro da humanidade), a mesma debra lança o repto “Digam-me vocês!” e logo a seguir corre o genérico final e a pergunta de Debra ainda nos ressoa na cabeça depois do filme terminar.
   
O ano de 2009 viu George A.Romero  realizar um novo filme de de zombies, o sexto da sua já famosa série sobre os Mortos-Vivos. Mas desta  vez o filme não conseguiu despertar até os seus mais ferverosos fans e, como diz a sabedoria popular, “a montanha pariu um rato”.
“Survival of the Dead” ou utilizando o seu título completo “George A.Romero’s Survival of the Dead”, ao contrário dos seus antecessores, não conheceu estreia nacional, nem nas salas de cinema nem no circuito DVD dos clubes de vídeo, nem mesmo em 2010, quando o realizador foi homenageado no "Motelx", Festival de Cinema de Terror de Lisboa. Este comentário que faço é baseado numa edição de importação que adquiri há algum tempo.
   
O filme acompanha a rivalidade ancestral entre duas famílias irlandesas, os Muldoon  e os O’Flynn que vivem em Plum Island, ao largo do estado de Delaware. Enquanto a família O’Flynn chefiada pelo seu patriarca, Patrick O’Flynn, reúne uma milícia para matar os mortos-vivos, enquanto a família Muldoon, liderada por Seamus Muldoon mantém os seus familiares, transformados em mortos-vivos, vivos até surgir a cura para aquela epidemia. Um recontro entre as famílias termina com um breve triunfo da família Muldoon e exílio do patriarca O’Flynn e outros membros da família. Algum tempo depois, Patrick regressa a Plum, acompanhado de alguns desertores da Guarda Nacional para se vingar do seu eterno rival.
    Com um argumento assim, impõe-se uma pergunta: o que tem a rivalidade das famílias a ver com a epidemia que assolou o mundo?  Á partida, nada e, se calhar, foi mesmo isso que fez com que o filme falhasse nas bilheteiras. Afinal, estamos perante uma pandemia que assolou o mundo e, apesar de os zombies surgirem ao longo de todo o filme, parece que foram relegados para segundo plano em detrimento da rivalidade entre as famílias. Romero explicou posteriormente que o seu filme foi inspirado em “The Big Country – Da Terra nascem os Homens”, um western clássico realizado em 1958 por William Wyler, no qual um recém-chegado ao velho oeste se vê envolvido numa luta entre duas famílias rivais pelo posse de um pedaço de terra.
   Tal como nos filmes anteriores, “Survival of the Dead” pode ser visto independentemente dos outros filmes (Romero sempre disse que a única ligação entre os filmes da série é a epidemia dos mortos-vivos), mas um olhar atento e conhecedor das obras anteriores, vai conseguir vislumbrar, logo no início, algumas personagens do filme anterior que aparecem em imagens de arquivo enquanto se ouve a voz off de  Crockett, (personagem que também aparece brevemente em “O Diário dos Mortos”) antigo coronel da Guarda Nacional,  despromovido a Sargento, a explicar o que é que o levou a desertar da força e a andar a vaguear por um mundo completamente fora de controle, onde todos os dias os seres humanos morrem e engrossam o exército dos mortos-vivos. É a única vez na série, até agora, em que a ligação entre filmes acontece, não apenas  por via da epidemia de mortos-vivos.
  É possível que o realizador tenha querido homenagear o western com este filme, mas mesmo sendo esse o objectivo, o filme acaba por ter muito pouco daquilo a que Romero nos habituou nas obras anteriores, onde a critica social estava bem patente, aqui não passa de uma mera caricatura, aliás como todo o filme: um argumento (da autoria de Romero) fraco, que mais parece ter sido escrito em cima do joelho enquanto decorriam as filmagens, interpretações fracas, que mais parecem autênticos fretes levados a cabo pelos actores (excepção feita a Kenneth Welsh e a Richard Fitzpatrick, respectivamente Patrick O’Flynn e Seamus Muldoon) tudo isto misturado numa realização pouco inspirada de George A.Romero. A única nota positiva a este filme vai para o departamento de caracterização, novamente comandado por Greg Nicotero,  que torna os Mortos-vivos extremamente realistas e assustadores em alguns momentos. Tudo o resto, infelizmente, é para esquecer.
Apesar do fracasso,  em todos os campos, de “Survival of the Dead”, George A.Romero expressou vontade de acrescentar mais dois filmes á série, que, segundo, ele seriam filmados ao mesmo tempo. A ver vamos.
   
Em 2010,  Frank Darabond, argumentista e realizador, criou, para televisão uma série inspirada nas novelas gráficas da autoria de  Robert Kirkman, Tony Moore e Charlie Adlard intituladas “The Walking Dead” onde um xerife de província, dado como morto num tiroteio, acorda do coma em que se encontrava para descobrir que o mundo está infestado de mortos-vivos e ele, juntamente com outros sobreviventes que encontra, tem de tentar sobreviver aquela ameaça. A série, que também foi buscar alguma inspiração aos  filmes de Romero, dos quais se pode considerar uma extensão e que, segundo se diz, muito tem agradado ao realizador, tem sido um sucesso em todo o mundo onde tem sido exibida.


 Nota: As imagens e vídeo que ilustram o texto foram retiradas da Internet




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