sábado, 20 de julho de 2013

Invictus - Mais uma Aposta Ganha!



   
Em 1963 Martin Luther King Jr., num discurso para mais de 200.000 pessoas, nos degraus do Lincoln Memorial, em Washington, apelava para direitos iguais e para o fim da descriminação racial, disse a dado momento “Eu tenho um Sonho”…não chegou a ver esse sonho realizado, pois foi assassinado em 1968. Quase 30 anos depois, um outro homem, noutro continente, fez o mesmo apelo e conseguiu realizar o sonho.
   África do Sul, 1990, depois de mais de 26 anos de prisão, o activista negro Nelson Mandela é libertado. Quatro anos depois, em 1994, por entre muita polémica, com o país dividido pelo espectro do apartheid e quase à beira da guerra civil, Mandela é eleito presidente da república, tornando-se o primeiro presidente negro eleito na Àfrica do Sul  e tem que resolver a profunda divisão que abala o país antes deste ser anfitrião do campeonato do mundo de râguebi. Ele tem então uma ideia que quer pôr em práctica custe o custar: promover a cooperação na áfrica do sul através do desporto.
   
Em “Invictus” existem dois momentos que são os mais marcantes do filme: o primeiro, acontece logo no inicio, após a libertação de Nelson Mandela, este é aplaudido pela população negra em geral, quando a caravana passa numa estrada que divide dois campos onde num jogam futebol jovens negros que aplaudem a passagem dos veículos enquanto gritam por Mandela; no outro campo, uma equipa de brancos treina râguebi e mostram o seu descontentamento pelo acontecimento que ocorrera nas palavras do treinador da equipa. O segundo momento acontece na cena em que numa  sala estão os seguranças  negros do recém-eleito presidente e a eles junta-se  uma  equipa de guarda-costas brancos que, no espiríto da nova politica, têm ordens para trabalhar com o novo presidente. Mas a cooperação é difícil, a  desconfiança é enorme  e ambas as equipas estão de costas viradas uma para a outra a lerem o calendário das actividades do presidente. É sobre estas duas cenas, ambas representando o que era a Àfrica do Sul , que “Invictus” se ergue e caminha solenemente. Existe também uma outra cena que suporta plenamente a ideia que Mandela teve: É a cena  em que a equipa dos “Springboks” visita o Soweto e na altura em que encerra a actividade desportiva com as crianças, deixa uma faixa onde se pode ler: “One Team, One Country” e Mandela, ao vê-la na televisão diz “Vejam isso! Essa imagem vale mais que qualquer discurso”. Assim, ao acreditar que poderia unir o seu povo através do desporto, ele decide apoiar a equipa nacional de râguebi, ao mesmo tempo que nela procura o apoio necessário para levar a sua ideia até ao fim.  
   O filme é baseado no livro “Playing  the Enemy: Mandela and the Game that Made a Nation”, escrito por  John Carlin, publicado em 2008. Pouco tempo depois da publicação da obra, Clint Eastwood, com  os seus produtores e Morgan Freeman, reuniram-se com o jornalista  para discutirem a melhor maneira de a transformarem num argumento para adaptar ao grande écran.  Anthony Peckham escreveu o argumento e como o elenco já havia sido escolhido, as filmagens tiveram início em março de 2009 em Cape Town e durariam até maio e foi, nas palavras de Laurence  Mitchell, o presidente da Cape Film, a produtora associada ao filme “a maior produção que alguma vez se fez na África do Sul, em termos de estatura e de estrelas”.
   Realizado pelo veterano Clint Eastwood, autor de “As Bandeiras dos nossos Pais” e “Cartas de Iwo Jiwa” (2006), diptíco sobre a sangrenta batalha de Iwo Jiwa; “Gran Torino” (2009) obra-prima sobre o comportamento do ser humano, “A Troca” (2009) baseado numa história verídica do desaparecimento duma criança, ocorrida em Los Angeles na década de 20 do século passado, cuja investigação leva a uma descoberta macabra; “Mystic River” (2003) sobre amizade num bairro dos subúrbios de Bóston, ou “Imperdoável” (1992), obra-prima contemporânea em forma de epilogo do western, género incontornável do cinema.
   
O realizador filma com sobriedade e não usa subterfúgios (apesar da cena do Boeing 747 que sobrevoa o estádio, indiciando outra coisa…). Não força a acção e até as cenas de râguebi estão bem filmadas e doseadas ao longo do filme. Percebe-se que há uma cumplicidade entre o desporto e a câmara, como se esta fosse um jogador captando as atitudes do colectivo e de cada elemento de ambas as equipas e, por acréscimo, também do público. É como aquilo que eu disse em outro comentário: Eastwood não sabe fazer filmes maus, e “Invictus” é mais um exemplo dessa realidade, realidade essa feita da admiração por um sonho que um homem um dia teve e, contra ventos e marés, tornou o seu sonho realidade.
   Admiração que também está presente no próprio cartaz publicitário do filme. Nele,  Francois  Pienaar está á frente da imagem de Mandela que aparece de costas, mas proporcionalmente maior que o jogador. O ambiente do cartaz mostra um grande líder político, protagonista duma grande missão que conta com a colaboração e intervenção de  um grande  líder desportivo para levar essa missão a bom porto. Em termos de concepção, é dos cartazes com maior força simbólica que alguma vez me lembro de ver.     

Brilhantemente interpretado por Morgan Freeman sobre quem recai a responsabilidade toda do filme e, uma vez mais, o actor mostra estar á altura do desafio. Ligado ao projecto (como produtor e actor),  desde que Clint Eastwood havia anunciado o seu interesse em fazer um filme sobre o activista,  Freeman foi sempre a primeira escolha do realizador e fica provada uma vez mais a clarividência de Eastwood nas escolhas que faz. Morgan Freeman ficará para sempre ligado a este papel que é, sem dúvida nenhuma, o papel da sua vida (mesmo não tendo ganho o Óscar de melhor Actor para o qual foi nomeado). Ele é tão convincente na sua interpretação (para a qual levou mais de um ano a preparar-se e que incluíram várias reuniões com o próprio Mandela, que, diz-se, ter adorado a interpretação) que se fecharmos os olhos, ouvirmos um discurso de Mandela e depois ouvirmos Freeman a dizer o mesmo discurso, não conseguimos distinguir um do outro!

 
Matt Damon faz o papel de François Pienaar, capitão da selecção de râguebi da Àfrica do Sul e sobre quem recai a responsabilidade de vencer o campeonato do mundo e ajudar ao esforço de união do país. Damon interpreta o seu papel com grande carisma, onde nem sequer lhe falta o sotaque e se nota bem o corpo musculado que precisava ter para fazer o seu papel (diz-se também que foi o próprio Pienaar que o ajudou a preparar-se para a interpretação) e vence mais esta aposta.
   O filme foi recebido positivamente, quer pela critica quer pelo público em geral. No primeiro fim-de-semana subiu a número três  onde rendeu cerca de 8 milhões de dólares e acabou por render um total de 37 milões, só nos estados unido, enquanto que no mundo inteiro as suas receitas foram de 122 milhões de dólares, principalmente na África do Sul.
   Mesmo não sendo uma obra-prima, nem sequer o melhor filme de Clint Eastwood, “Invictus”, o filme venceu vários prémios e foi nomeado para outros tantos. Será sempre visto como um esforço para tentar contar a história de um período conturbado de um país que esteve demasiado tempo dividido e da pessoa que ajudou a acabar com essa divisão e, visto deste prisma, o filme é nitidamente uma aposta ganha.


Nota: As imagens e vídeo que ilustram o texto foram retiradas da Internet



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