domingo, 25 de novembro de 2012

Ran - Os Senhores da Guerra - Shakespeare em versão Oriental


                                             

    No cinema existe uma tendência para o ocidente ir "roubar" ideias e filmes ao oriente. No caso de "Ran" foi o contrário.  
    A acção passa-se no séc. XVI no Japão onde um senhor feudal decide dividir os seus territórios pelos    três filhos, originando  rivalidades entre eles e que vai conduzir a uma destruição sem precedentes.
    Apesar de livremente adaptado de "O Rei Lear" de William Shakespeare,  “Ran” não deixa de ser influênciado pela peça do dramaturgo inglês: em ambos temos um senhor de guerra envelhecido que decide dividir o seu reino entre os seus descendentes. No filme Hidetora tem três filhos (Taro, Jiro e Saburo) que correspondem ás três filhas de Lear (Goneril, Regan e Cordélia) na peça; também em ambos, o senhor da guerra, insensatamente, por uma questão de orgulho, bane todos aqueles que se lhe opõem; ambos terminam, no entanto, com a destruição completa da familia, incluindo o Senhor.
      No entanto existem também algumas diferenças cruciais entre a peça e o filme. “Rei Lear”é uma peça sobre o sofrimento desnecessário e a personagem de Lear é, no minímo, um idiota. Hidetora, por seu lado, foi toda a vida um guerreiro cruel que matou, sem piedade, homens, mulheres e crianças, para atingir os seus fins. Em “Ran”, a personagem de “O Idiota” tem um papel mais activo do que na peça. As personagens de “Lear” não têm passado, enquanto que Kurosawa se preocupou em dotar as suas personagens dum passado de dor e sofrimento, muito dele infligido por Hidetora, especialmente o de Lady Kaede, equivalente ao de Goneril, mas muito mais complexo e importante no desenrolar do filme.
   Kurosawa começou a idealizar “Ran” em meados da década de 70, depois de ler uma parábola sobre um senhor da guerra de nome Mõri Motonari que teria vivido no Japão Feudal, o qual tinha três filhos que lhe eram extremamente leais e talentosos por direito próprio. Kurosawa imaginou então o que aconteceria se eles fossem todos maus e ambiciosos.  O realizador começou a escrever o argumento  pouco tempo depois de terminar a rodagem de “Derzu Uzala – A Águia da Estepe” (1975),  só então é que se apercebeu das semelhanças com “Rei Lear” e, nas suas próprias palavras, “entendeu que as histórias de Mõri Motonari e a peça de Shakespeare se fundiam e completavam uma na outra”. Resolve então deixar o argumento guardado durante sete anos, enquanto pintava e desenhava “storyboards” (esboços) de cada cena descrita no argumento. Após o sucesso obtido com “Kagemusha – A Sombra do Guerreiro”, que o realizador sempre considerou com um ensaio para “Ran”,  através do apoio financeiro de Francis Ford Coppola e George Lucas, que também asseguraram a distribuição do filme no ocidente, onde viria a receber a Palma de Ouro no festival de Cannes e os favores do público e crítica, Kurosawa conseguiu  obter financiamento junto do poderoso produtor francês Serge Silberman e pode então avançar com “Ran”.
Akira Kurosawa, o perfeccionista
   "Ran" é realizado por Akira Kurosawa, o melhor e mais conhecido realizador japonês do mundo, autor de filmes como "Os Sete Samurais" (1954), "Derzu-Uzala- A Àguia da Estepe (1975), o já referido "Kagemusha-A Sombra do Guerreiro"(1980), "Sonhos" (1990) ou "Rapsódia em Agosto" (1991),  e é na verdade um grandioso épico. O perfeccionismo e o bom gosto de Kurosawa está patente em todo o filme, desde o princípio ao fim, onde o desenvolvimento é dado pelas imagens do céu que vão intercalando a acção (começa com uma caçada ao javali, sob um céu azul, sem nuvens no princípio do filme e termina com ele carregado de nuvens negras e uma paisagem desoladora onde apenas o cego sobrevive ao caos total!), passando pelas batalhas sangrentas e filmadas com uma perfeição de mestre, especialmente a primeira, onde o jogo de cores idealizado por Kurosawa permite uma coreografia visual fascinante (a fabulosa sequência em que o exército de Taro, simbolizado pelo amarelo e o de Jiro, simbolizado pelo vermelho, se separam, junto á escadaria, para deixar passar o louco Hidetora de branco, é disso exemplo) e onde o combate adquire uma atmosfera irreal com todos os ruídos e sons substituídos por música,  a lembrar a batalha sobre o gelo de "Alexander Nevski" (Sergei Eisenstein,1938), mas reforçado pelo aspecto dantesco dos planos de cadáveres amontoados.
     Ao longo do filme, Kurosawa emprega todos os métodos conhecidos: desde filmar com três cameras em simultãneo, cada uma utilizando lentes diferentes e também ângulos diferentes numa mesma cena . Grandes Planos em vez de “close ups”, assim como utilizar cameras estáticas e de repente mudar para planos em camera lenta, alterando assim o ritmo da acção para dar um efeito fílmico.
    O tema central do filme é o caos ( o “ran”, do título original, quer dizer isso mesmo: caos, destruição) e o exemplo máximo desse mesmo caos é a ausência de deuses, como se percebe na cena em que Hidetora visita Lady Sué, uma budista devota e a personagem mais religiosa do filme,  a dado momento ele diz-lhe,“ Buda desapareceu deste  mundo miserável” , percebemos que o caos está a chegar e o espectador vê-lo chegar sob a forma de nuvens tipo “cumulonimbus” que finalmente rebentam numa tempestade enraivecida durante o massacre do castelo (Kurosawa esperou dias e dias,  interrompendo a produção, até estarem reunidas as condições meteorológicas necessárias para filmar a cena com o maior realismo possível).
     Estreado no Japão a 1 de junho de 1985, “Ran” foi recebido,  de forma geral,  com reacções modestas, como modesta foi a sua prestação na bilheteira. O triunfo viria, porém, no ocidente onde era aguardado com muita expectativa. Mesmo falhando a apresentação em Cannes, “Ran” foi um sucesso enorme rendendo vários milhões de dólares e  foi um novo fôlego na carreira do realizador  que finalmente teve o merecido reconhecimento aos 75 anos. É fácil de perceber porque é que, no ocidente, Akira Kurosawa era conhecido como "O Imperador", porque ele era realmente um senhor entre os seus pares ocidentais. Muitas das sua obras foram adaptadas por realizadores como Sergio Leone, John Sturges ou até Andrei Konchalovski.
Kurosawa  entre dois seus confessos admiradores
  "Ran" foi nomeado para vários óscares em 1985, apesar de falhar a nomeação para Melhor Filme Estrangeiro, conseguiu uma nomeação para Melhor Realizador  graças a uma campanha montada por diversos realizadores americanos de renome mundial, tendo ganho o de Melhor Guarda-Roupa.
Por tudo o que atrás se disse, é um filme notável, uma obra-prima e o último grande filme de um realizador que nunca teve o devido reconhecimento no seu país. Mas acima de tudo, é um filme  genial.



Nota: As imagens e vídeo que ilustram este texto foram retirados da Internet

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